segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Catatonia

Vendo bem à luz do dia, quem sou eu senão tu?
Tu e tu também, mais estranhas mal paridas do ventre desta pobre mãe
Adormecida no enredo de canhões e balas de ódio,
Entorpecida pelo medo e pela dor do próprio vómito

Eras tu? Era eu?
Era um outro perdido em nós,
Mais que um simples facto, um genocídio aos avós.

E liberdade, onde a perdi? Na bucólica selva de almas por nascer...
E tanto por ensinar na estrambólica fonte inesgotável do saber

Eras tu ou era eu?
Era o nós perdido neles e encontrado na paisagem,
No fundo rio já seco há muito, ainda brilhante de passagem.

Com certeza era eu, a homicida de promessas
Porque palavras não mais são setas
Nem a minha mão é arco de profetas.
Mas eras tu quem via ao longe, no horizonte tão distante
Era tua a estrada feita de arbustos flamejantes.

Eras tu ou era eu?
Quem matou o que já vimos?

Foram eles, fomos nós, foram punhos de assassinos
Sem olhos, sem cara de homem ou mulher
Porque dizem que o destino é o que o coração quiser...
Mas que coração foi esse que nos lançou no vazio?
Que nos apagou da memória o que restava do fio
De outros tempos e costumes? Não deixou sequer saudades
E somos cinzas de outros lumes, nunca ardendo de verdade.

Eras tu? Era eu?
Talvez não fosse ninguém.

Talvez sejamos todos órfãos, à espera do que não vem,
Ora nus, ora vestidos, presos neste trampolim
De desejos e vontades, de mundos perdidos em mim.

Era eu.
Era eu a enlouquecer, abrindo todas as portadas
Como que dizendo ao mundo que não podem ser trancadas
As juras e melancolias, que gaivotas estendem asas
E que havendo ninho ou não, temos sempre a nossa casa.

E tu, onde estavas?
Tu nunca exististe,
Porque somos confissões, e nunca te redimiste.

Mas quem foi que me empurrou, de quem era a mão fria
Que me lançou no vazio e me fez ver que nada via?

O abismo era eu.
O orgasmo da catatonia.