Sorvi a saliva
como gotas de orvalho,
palavras que conspurquei
pelo simples facto de as proferir.
E as perguntas flutuam
leves
e incrivelmente pesadas
afundando-se em repulsa,
belas e quase intactas.
E vai já tão longe a putrefacção.
O visitar dos fantasmas antigos
adormecidos em líquido amniótico,
mexer-lhes nas entranhas,
senti-los por dentro
a revolverem os órgãos
quase dormentes,
em murros nostálgicos
de alegria e excitação
de outros tempos.
Mas não quis o criador
que a placenta fosse a minha.
E agora,
agora a imensidão do nada,
onde me perco e construo
parecendo que me encontro.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
A roupa que ficava
Por mais banho que tomasse cheirava sempre a sujo. Houve um tempo em que guardava roupa cá em casa, para quando viesse. Um pouco de tudo, que ia ficando com o passar do tempo. Três pares de meias, uma camisola de manga comprida, uma de manga curta, umas calças de fato de treino. Até mesmo uns pares de cuecas, encontradas algum tempo depois no fim da cama, enroladas no meio dos lençóis. Tudo limpo e guardado, em casa. Na minha, na dele, nas nossas. As nossas coisas. Até que chegou o dia em que quase sem darmos por isso recusámos a intimidade um ao outro. A roupa interior foi lavada e devolvida. O até já foi um adeus, quase como que a dizer: "Esta casa não é tua". Ficou a carapaça e o cheiro a flores secas, que não chegaram sequer a ser belas. Foram o lirismo, a fragilidade, a beleza desejada sem sumo nem vida. Como nós, mortos por dentro sem nos querermos aperceber da nossa putrefacção.
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