segunda-feira, 5 de novembro de 2012
A roupa que ficava
Por mais banho que tomasse cheirava sempre a sujo. Houve um tempo em que guardava roupa cá em casa, para quando viesse. Um pouco de tudo, que ia ficando com o passar do tempo. Três pares de meias, uma camisola de manga comprida, uma de manga curta, umas calças de fato de treino. Até mesmo uns pares de cuecas, encontradas algum tempo depois no fim da cama, enroladas no meio dos lençóis. Tudo limpo e guardado, em casa. Na minha, na dele, nas nossas. As nossas coisas. Até que chegou o dia em que quase sem darmos por isso recusámos a intimidade um ao outro. A roupa interior foi lavada e devolvida. O até já foi um adeus, quase como que a dizer: "Esta casa não é tua". Ficou a carapaça e o cheiro a flores secas, que não chegaram sequer a ser belas. Foram o lirismo, a fragilidade, a beleza desejada sem sumo nem vida. Como nós, mortos por dentro sem nos querermos aperceber da nossa putrefacção.
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