domingo, 27 de janeiro de 2013

Magenta

O tempo passa
corre
escorre-me pelas mãos
escasseia
e cai no no chão
nas gretas que abri
nas fendas
de madeira maciça
que ninguém gosta
ou gosta de admitir
gostar de imitações.

Lembra-me outra vez
como foi que partimos
em dois
e estilhaçámos depois
em ínfimos pedaços
a virgindade de aço
prometida
em plena erecção.

Se eram tuas
as histórias
e os sermões
que me pregavas
os murros
que não tão secretamente
desejavas
ver explodir
no meu corpo.

Eu
que sempre tive a pele sensível
quão terrível seria
deixar marca.
O que diriam os outros.
Certamente
que a escuridão do magenta
realça o azul dos meus olhos.

E que
mal por mal
e como nunca usei relógio
poderei ter o prazer
de ver a nódoa esbater
e o tempo passar
para que da próxima vez
se houver uma próxima vez
me possa queixar
com ardor e razão
das saudades que tinha
e da falta que fazia
ter um sítio onde doer.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Fosse eu outra coisa


Fosse eu outra coisa.
Tivesse eu outro corpo
ou não tivesse corpo de todo.
O absoluto da alma,
a alma em absoluto
colada ao tecto
poderia pingar confortavelmente
levemente
no tapete de arraiolos.
Não tivesse eu voz
nem mãos
e seria pura finalmente
esta constante sensação
de ódio e desprazer.
Seria normal a indiferença
e a doença crónica
de sonhar desnecessariamente.
Com a carne e o cabelo
pintei a porta manca
e imprimi fundo na madeira branca
o sangue dos meus lábios
na acidez do mergulho
finalmente feita cinza
para a caruma me dizer
que a minha porta não tem trinco
nem sou eu esta outra coisa.