sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Quem me dera saber

Um dia soube tudo
o que havia a aprender
sem no entanto o saber
no devido momento.

Mas o tormento que és
nasceu na minha pele
e foi tanta a vontade
que o despir se fez tarde.

E o pesar e o sentir
logo foi mergulhado
no mar que se fez rio
do meu corpo molhado

e o meu sonho caiu
aterrou no teu peito
e o que era perfeito
fez-se ave de rapina.

O suor derreteu
a dor nas tuas mãos,
transbordou no meu colo
fez um corte a direito

e o sangue que jorrou
nos lençóis de cetim
foi a tua água benta
e o princípio do fim.

Quem me dera saber
escrever bem o amor
mas a flor do vazio
que cresce vagarosa
corrompeu-me as entranhas
e fez-me mentirosa.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Teia

A teia ao canto do tecto
permanece imóvel
à minha chegada
e a serenidade da aranha
faz-se tua enquanto tricoto
lençóis de algodão
no fingimento da mecanização.

E é tão egoísta pensar
que nunca cheguei a partir
da  outra margem
e nunca te deixei chegar,
que qualquer vento norte
me poderá desorientar
e fazer voltar a sítios
de onde nunca fui realmente.

Como explicar-te, meu amor
que o meu coração se esvazia cada dia
e que o meu horizonte se estende
cada vez que abro os olhos
e vejo
que o que não quero ver
foi o que tive em tempos.

Como dizer-te
que o meu medo
não és tu mas eu,
que o meu fingimento
tem limites
e o esquecimento a que me propus
fez com que o poço
perdesse o reflexo
e me chamasse com um abraço.

E as coisas sem nexo
que espalho por ti
não são mais do que gotas de orvalho
que te faço lamber dos meus seios
convencendo-te
que não é veneno.

Mas é.

E fico absorta nestes pensamentos
mesmo que os teus
não passem de uma ideia adormecida...
E as mentiras mal paridas
não fui eu que as contei
porque sempre acreditei
em histórias para adormecer.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Carrossel

Sou eu,
mais nada.

O vento que sopras
continua sem balanço
enquanto eu me lanço
do abismo.
Espreito
em bicos dos pés
com a certeza crescente
de que quem sente
não sou eu.

A minha casa não é esta.
Que chão é este
que me enche de feridas?,
quando sempre soubeste
da minha predilecção
por pés descalços.
Quantas vidas me restam?

Há quanto tempo
conto o tempo
que me falta para sair?
As raízes que inventamos
esbatem-se
na imensidão do Universo
em constante mutação
por pesadelos
com outros tectos e soalhos
mais amaciados do que os teus.

Estas paredes
apodrecem ao meu toque.

E enquanto eu me arrasto na lama
tu continuas preso ao carrossel
onde nos encontramos
de tempos a tempos.
Mas não consigo amar-te sempre,
ser feliz cansa-me a alma.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Há uma casa

Há uma casa
onde nunca vivi,
sem portas nem quartos
com escadas em caracol.
Cortaram-lhe as asas
e quebraram janelas
forçaram jaulas
e muros fantasma
ergueram por dentro
no centro do nada,

Havia uma casa
a caminho do Sol
onde os andaram eram palavras
e as camas revolução.
Havia uma casa
sem coisas feias
com pensamentos
espalhados pelo chão.

Há uma casa
onde nunca vivi
mas diz quem viveu
que o sonho
que também é meu
não pode ser emparedado
e que quanto mais cimento o cobre
menos amordaçado
será o novo amanhecer.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Se eu soubesse

Se eu soubesse
como era ser assim,
antes de eu ser tu
e outro se transformar em mim.
Ai se eu soubesse, meu amor
não me tinha atirado do abismo
sem agarrar a tua mão.
Se eu soubesse
das flores de perdição
que criava no meu próprio umbigo
inconsciente do perigo
e alimentado apenas
por esse sabor amargo
a avareza venenosa.
Se ao menos adivinhasse
que depois desses teus braços
os laços seriam tão distantes...
Mas há quanto parei eu
de contar amantes
e coisas malditas?
Se são as mentiras que digo
as que me fazem amar de verdade
e se a realidade
dá apenas azo a enganos?
Quantas juras de amor fiz eu,
quantos foram únicos e primeiros
tão intensos e verdadeiros,
quantos escrevi sem sentir
e senti sem saber?
E o pior,
o pior é que não sei nem o que disse.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Há sonhos assim

Se o meu corpo fosse um instrumento
e o tocasses tão furiosamente
como arranhas as cordas,
nessa melodia transcendente
que me apaixona a cada nota...

Não sei o porquê
das tuas mãos entre o linho e o algodão
nem das tuas linhas
a desfazerem os meus prantos.
Tu que me lembras toda a gente
e nunca foste de ninguém.

E assim sopro-te as penas do ombro
com a esperança vã
de te ver na minha cama
na noite fria que se avizinha,
entre sonhos e paisagens
perdidas nos nossos olhos gélidos,
mortas por bolas santas
num despertar qualquer.

Há sonhos assim,
em que me esqueço que existes
e não sinto a profundidade do teu corpo
perdido no meu
em alegorias fantasmagóricas
fantasiadas pela tua ausência
na mente de outro alguém.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Ilusões

O teu corpo esguio
corrompe as minhas entranhas
e sem grandes artimanhas
quebra o meu em pedaços
encontrados calmamente
nos suores do teu regaço
consolado com a chegada
e rompido pela partida
que um outro dia
será desfeita pelo cansaço
de esgrimir com dentes de aço
moinhos de vento
ao relento de miragens.
Mas a tua pele,
comprometida ou não,
será sempre minha
e a única prisão que verás
são as entrelinhas dos poemas
que tal como as minhas pernas
se entrelaçam à tua alma
na tranquilidade inocente
de uma violência nossa apenas.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A dança das putas tristes

O cheiro a queimado
dos pavios
no palácio das velas de cristal...
Olhai para elas tão belas,
que putas tão bem vestidas,
bailando ao som
de tristes violinistas.

Os seus seios descobertos
alerta a qualquer movimento mais audaz.
Que caminhos tão incertos
toma esta gente
quando abunda a aguardente
e a droga no bar.

Não tema senhora!
Sou burguês
e o meu órgão está apenas
à mercê das suas lindas mãos!
Desvie os olhos da faca
e oiça os calabouços
das jóias e do ópio!

Sim, meu bom homem,
mas já não é sangue nem sémen
o que brota destes olhos,
agora só molhos de rosas
e a mais pura das águas
escorrem por esta face.
Veja, veja senhor
o mal que o amor me fez!

Mas dança puta,
dança por enquanto não te cansas
o balanço do teu corpo
é o avanço de outras coisas.
E se poisas no chão
hás-de ver a minha mão
esbofetear-te com lembranças.

E o baile não pára nunca,
entre o fumo dos cigarros
e os sorrisos rasgados
das senhoras.
Que encanto,
que deleite!
Saber que as podemos ter no leito
numa noite como esta.
Porque não?
Se o coração já não diz nada
e não passamos de bestas embriagadas
no hospício da solidão...

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Fotografia

Um dia
eu vou ouvir na minha
fotografia
o mel atroz
da tua voz
por entre os sons das minhas,
inexistentes
dormentes
por outro sexo
que não o teu.

E o céu pesado
inacabado
nos meus sonhos e melancolias
rompido por gestos
discretos
e cortantes
como um limão
em vidas partidas
será nosso
outro dia.

O cheiro
lavado
do teu quarto
e do teu corpo
nunca usado
por mais ninguém
será
mais uma vez
encontrado
na nudeza
das minhas mãos
suaves
e suadas
lambendo
a tua fotografia.

sábado, 29 de outubro de 2011

Saudades do Futuro

Disse tudo o que não disse,
vomitei lesmas e baratas
depois comidas por um cão.
As tuas lágrimas e as minhas
espalhadas pelo chão da cozinha
em poças fundas e brilhantes.
Mas se soubesses o quanto eu choro
nas intermináveis horas vagas
entre as tuas chagas e as de outro alguém...
Se soubesses,
não me esperavas.
Tenho saudades do futuro
em que morri na tua mão.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Los arboles de mi jardín


Que los arboles de mi jardín
me asombren todas las noches de insomnio
en que no tengo tu presencia entre las sabanas.
Que me griten los coches
en las tardes en que tus pestanas
no me hacen cosquillas en los ojos.
Que me atropelle la gente en la calle
y me peguen en la cara
que se me ponga fea y entre en fétida putrefacción
que mis labios lloren sangre y carbón
entre las páginas de tus libros
y que la saliva de mi lengua
se transforme gradualmente en arena oscura y seca.
Que mi cabello se haga lluvia y mis senos días claros
para que tus fardos sean menos
y tus noches te descansen
hasta que llegue mi fado
y se desnude lentamente
en cada lunar de tu espalda,
despertando sentidos durmientes.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vem

Vem que tenho sede
e já nada me sai bem.
Vem e prende-me os cabelos
sem os zelos que outros têm.
Vem e crava-me a navalha
até ao beco mais distante.
Vem e entra de rompante,
arromba as portas de mansinho
que já sabes o caminho
entre comportas canibais.
Vem de cima para baixo
ou de baixo para cima...
não há vergonha de menina
nestes seios de criança
e a dança que preciso
já não consigo sozinha.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Minha Rua

A minha rua cheira a café torrado
e a copos de leite derramados por amigos.
A minha rua cheira a velho
e mijo de cães vadios perdidos no caminho.
A minha rua cheira a árvores e bolotas,
cheira a botas mal lavadas
pela chuva que cai de vez em quando.
A minha rua é violenta
e tem pombos nos passeios,
a calçada é cinzenta
e o sol não chega nunca. 
Na minha rua a gente passa
com o passo apressado,
na esperança crua e lenta
de chegar ao outro lado.
A minha rua tem faróis e nevoeiros,
tem ventos passageiros
por entre as casas de betão. 
 A minha rua é igual a todas
e todas as ruas são iguais à minha…
O que tinha esta partiu para parte incerta
e afogou-se noutra lama.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O Reflexo é Negro

O reflexo é negro meu amor,
sem fundo
nem ondas à vista...
E não há artista que nos salve
nem toques de tambor
que nos alimentem a alma.

Os ritmos selvagens
já há muito
que deixaram de marcar o meu.
Quero a casa e o cão
que me prometeste um dia,
num futuro distante
pouco ou nada concretizável
por mentes distorcidas e indecisas
como as nossas.

Mas mesmo assim
não há festim como o nosso
e o alvoroço que sentimos
é uma brisa passageira.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Tempo

Já nem sei de cor
os traços da tua pele morena,
como sabia nos dias
em que estava em casa
e ainda dormia.

O tempo corre vagarosamente,
escorregando-me entre os dedos
que te tocaram em parte incerta
no meio do deserto que sempre fomos,
sem nunca nos perdermos
na angústia da miragem
que ainda hoje nos persegue.

A aridez do teu corpo no meu,
às horas sempre iguais
que o teu velho relógio marcava,
esvai-se no meu pensamento
e encontra-se na realidade
que já sabes e não vês:

Que por mais triste que seja,
a eternidade que sobeja das coisas
se perde na efemeridade da vida...
E que infelizmente ou não,
nenhum de nós é imortal
nem tem moral
para criticar ninguém.


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Zapatos


Un día llegando a casa,
vi tu cuerpo muerto en el suelo,
con ansias de partir
para otro lugar que no el tuyo.
Y yo,
no sabiendo ni cómo ni por qué,
cogí tu fantasma en mis manos
y absorbí tu sangre en mis ojos
y tus miedos por la boca.

Tus palabras,
las que no dices sobre todo,
penetran mis oídos sordos
en sonidos de tranquilidad silenciosa
de nuestra rápida despedida,
hoy y siempre.

Ahora,
con la ventana abierta
y la televisión prendida en lluvia gris,
siento tus dedos en mi cabello
como si de un viento raro se tratara;

Una y otra vez me despierto de mi sueño,
tan pronto como tus besos
y tan difícil como la distancia.
Ya no hay poemas ni canciones
ni humores desafinados…

Pero mis zapatos,
los que me obligas a tener
para que no te ensucie la cama,
tienen siempre ganas
de volver a casa.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Lunares

No quiero más nada que nada
ni menos que todo.

Es entrar en tu coma
y en tu cama,
suicidarme por la ventana
que nos ha visto nacer,
quitando el vacio
y haciéndonos bestias incoherentes.

El asfalto en mis pies
es el negro de tu pelo,
el miedo de limpiar mis ojos
de todo lo que he visto y vivido
en la eternidad del tiempo,
siempre igual en constancia
y resistencia
a comparaciones metafóricas
sin significado sino lo de
mi alma vieja y tu cuerpo joven
unidos entre gotas de agua.

Y sigo atrapada
en tu espalda,
uniendo lunares en constelaciones
de libertad e ignorancia,
liadas en las memorias
de mi infancia perdida.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Volver

Ya te había dicho
que me da asco
el trastorno de esta ciudad,
que se va mi expresión
y que mis ojos quedan rojos
como la sangre
que no quieres tomar.

Vuelves a tus viejas drogas
y yo a mi maldad sin corazón…
Que no hay razón
para el conforto de morir
sin aprender a no pensar.

Te lo intento enseñar,
el arte de mirar por la ventana
y tener ganas
de cantar a todo el mundo
que en el fundo no hay miedos...
El secreto es no regresar jamás,
entrar desnudo y nunca partir,
sin extrañar lo que no se puede tener.

Y además,
volver es imposible
para bestias como tú y yo,
hechos para caminar descalzos
con los rechazos
a nuestros pies.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Futilidad

Tengo la falda en el suelo cariño,
una cosa desnuda te mira ahora
sin hora de llegar o partir.

Búscalo,
que seguro vas a encontrar
lo que no quieres
ver ni alcanzar por nada:

Mi boca sin destino
que no quiere conocer nadie,
mis senos de niña brava
que se lleva por actos
no consentidos.

Tu casa.
Tus besos.
Tu barba.
Todo me causa irritación
y ganas de rellenar
el espacio
que dejaran abandonado
en tu cuerpo maltratado.

Y, yo,
sin lo querer,
absorbo toda tu rabia y odio
hacia mis males...

La verdad, amor,
es que ya no tengo tinta
con que hacer poemas sinceros.

Escribir es una futilidad idiota
sin fertilidad creativa
cuando no estas aquí
para me pintares también
con las palabras
que nunca vamos a decir.

sábado, 16 de abril de 2011

Hasta el Límite de la Memoria

No me digas jamás que no te escriba,
que no te pinte en palabras
que ni conozco bien;
Es imposible que no me acuerde
de nuestras noches en la ventana
y en tu cama desnuda de juicios.

No hay nada sucio en ti,
y luego vi en tus ojos
de vino y sangre
una hambre que nadie puede satisfacer,
porque no hay como entender
tu mirada inocente.

Yo la quiero comprender
de todas las formas,
sin normas que impidan
nuestra cosa sin nombre.

Un hombre, un niño,
quiero todo lo que tienes…
No solo lo que me perturba
sino lo que todavía
no ha tenido tiempo para tal.

Porque ya no sé
se creo en casualidades
ni en verdades infinitas,
pero en almas perdidas
la poesía es para siempre...
Hasta el límite de la memoria.

sábado, 2 de abril de 2011

Inquietudes

No. Que no.
No intento ni hablar,
porque no tengo que decir,
lo intento escribir
y no me sale nada.

Que mala suerte tenerte encontrado
Y penetrado en tu paranoia,
que es mía también,
la dividimos como el humo del cigarro
que soplo en tu labios,
inflando y contaminando
tus flacos pulmones de niño.

No.
Ya me he olvidado
de tus trazos otra vez
y nunca crees en mi cuando digo
que no te acuerdes de mi,
así es el tiempo con que te alimento
el alma que dices que no hay.

No.
Recházame y golpéame
cuando tengo ganas
de me aproximar de tu calor
y de sentir tu droga
en mis venas de cristal,
porque el normal no es para mí. 

No.
No me extrañes jamás
y no quieras más de la vida
ni del mondo,
que en el fondo te tiene atrapado
por tu bolsillo.

No.
Lo que te puedo enseñar
es un mar sin retorno
en una playa cualquier,
que no quiere saber de nadie.

No.
No me digas más
que estoy cansada de oír filosofías,
dame antes tus inquietudes
y las compartimos,
porque la juventud no es para siempre...

Y nuestros cerebros dementes
no pueden ser comprendidos.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Cheiro

Cheiras a cama,
Cheiras mal,
Cheiras a sexo mal lavado
e a quarto sujo e cheio
de coisas vazias.

Gosto do teu cheiro,
cheiras a cão.

E por mais banhos que tomes
não te livres do cheiro
que me vai atormentar
por tempo indefinido.

Eu não tenho cheiro,
Cheiro a mim,
que não cheira a nada.
Cheira a vazio de coisas cheias.

Temos o mesmo cheiro,
mas eu não o sei disfarçar...

Podemos tomar banho juntos,
pode ser que o cheiro passe.

Fósforo

Volta ao sítio
E caminha por entre os arbustos
Que escondem o que eu já sei.
Apaga as luzes, sopra os fósforos
Onde tanto me queimei.

E queimo outra vez.

Até os meus dedos ficarem pretos
E as minhas unhas cairem
De tantas noites e palavras
Que afinal não incendiei.

Mas escrevi tudo,

Embora nunca te tenha dito nada.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Casa de Alterne

Alterno entre tu e tu,
Ele e ele, conforme os dias,
E perco-me sempre no mesmo.

Alternas entre vinte coisas
Que nem mulheres são,
Alternas entre tantos prantos
E vives tudo outra vez.

Eu também.

O alterne não pára,
A casa sou eu...

Mas ninguém volta.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Espanhol

De manhã pesa-me os olhos
Entre verbos e acentos
À noite rouba-me o dormir
Embebido em fumos lentos.

Já não posso ouvir mais
E desligo o que não devia
Em quatro pesadas horas,

Mas não fecho a porta do quarto
Mesmo quando te demoras,
Porque sei que não me farto
E que são só mais uns dias.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Frigorífico

Abro os Pulmões

Abro os pulmões e
a minha mente
para o tempo quente
que aí vem.

Com as luzes desligadas
e as promessas quebradas,
em mares de cetim e algodão.

Mas não, as paredes fazem-se celas,
E nem as minhas velas
acendem o escuro da solidão.

E voar sozinha cansa,
entre as sombras de crianças
e o latido de um cão.

Então vem e faz-me vir
E perde-te na dança acelerada,
que já é de madrugada
e eu tenho que dormir.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tédio

Aborrecimento, tédio.

Fecham-se os olhos e perdem-se nas palavras
que já quis dizer,
encontrando-se depois
em frases sem sentido.
Desordenadas, coladas cuidadosamente
no frio da tua voz.

Caem.

E eu apanho-as uma por uma
e volto a colá-las mais forte,
à bruta, com violência.

Ficam fixas desta vez,
Mas continuam a não fazer sentido.

E eu continuo
aborrecida.

                                                           cozinha

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cadáver

Dás-me náuseas.

Vomito sempre quatro, cinco, seis...
                              ...Já lhes perdi a conta
Cadáveres nocturnos.
Todos de uma vez.

Mas por mais que vomite
a liberdade não volta,
Os cadáveres sim.

Costumava acreditar na liberdade
e na morte definitiva.

Depois acreditei em ti.
Agora não acredito em nada.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Seis Anos

Não sei com que intenção nem com que propósito, mas vieste-me à mente no meio de uma conversa nocturna no fundo de um copo de rum. Não interessa, eu sei que não vens, nunca vens nem hás-de vir. Não vou ser eu a endireitar o teu espírito retorcido, nunca fui.

E no meio das tuas bipolaridades encontro as minhas, embora nunca o vá admitir. No meio da tua imundice encontro os restos mortais dos meus lençóis brancos que nunca chegaram a estar sujos.Encontro os meus pecados, sempre assim foi. E vai ser sempre assim, vais ser sempre tu.

Felizmente nada é verdade, nem tu, nem eu, nem nós, nem as saudades.
 
Foi sempre assim, és sujo. E eu também.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ricardo

A tua barba arranhava
Em aventuras incorrectas,
Sítios que eu tanto queria
Com as línguas feitas setas.

Não fosse a tua cara feia,
Os traços rudes de magreza
Não me perdia na teia
De estrangeira estranheza.

As vezes que já se fechou
O olho sujo de traição,
Todos os dias me dou
Na minha cabeça, em vão.

Ai Ricardo, se soubesses
A agonia que me trazes
Quando oiço os lábios finos
Proferir malditas frases...

A garganta não segura
O meu coração a cem
E heis-que o silêncio perfura
Para o nosso próprio bem

Fosse Ricardo o teu nome
Ou o meu inglês perfeito
Matava esta minha fome
E calava-te no leito.

(Março 2009)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Ruído

O ruído voltou
O sono não vem,
Outros males inundam a minha cama.

Porque o tempo,
Relativo ou não,
Faz-se tarde...

Mas o sol sempre espera por nós.

Hoje é outro dia.

A manhã apressa-se sobre nós
E bebe o tempo
Em duas chávenas de chá.

Penetra um raio de luz
Acendendo timidamente
Os destroços do meu quarto abandonado...

Cega-me. Segue-me. Senta-te.

Hoje é outra noite.

Cozinha

Um dia.

Um dia soltam-se os pecados,
As verdades, as blasfémias,
Os venenos tão recentes
Que poluem as artérias

E sou eu e tu
É a janela aberta
E um cinzeiro comum
Entre a roupa lavada
Vão-se desenhando bestas
Na paixão inebriada.

Quando me entenderes,
Um dia.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Poluição


Entre o fumo quente do cigarro
Vou desfolhando flores bravas e pensamentos perversos
De sentimentos que nunca chegaram sequer a doer de verdade

Faz frio.
Não há centelha de luz que penetre no meu quarto
E rompa com a escuridão da minha alma.
Sujaste tudo em teu redor, quebraste purezas.

Inspiro fundo, o ar continua negro
Mas já não és tu quem o polui.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Catatonia

Vendo bem à luz do dia, quem sou eu senão tu?
Tu e tu também, mais estranhas mal paridas do ventre desta pobre mãe
Adormecida no enredo de canhões e balas de ódio,
Entorpecida pelo medo e pela dor do próprio vómito

Eras tu? Era eu?
Era um outro perdido em nós,
Mais que um simples facto, um genocídio aos avós.

E liberdade, onde a perdi? Na bucólica selva de almas por nascer...
E tanto por ensinar na estrambólica fonte inesgotável do saber

Eras tu ou era eu?
Era o nós perdido neles e encontrado na paisagem,
No fundo rio já seco há muito, ainda brilhante de passagem.

Com certeza era eu, a homicida de promessas
Porque palavras não mais são setas
Nem a minha mão é arco de profetas.
Mas eras tu quem via ao longe, no horizonte tão distante
Era tua a estrada feita de arbustos flamejantes.

Eras tu ou era eu?
Quem matou o que já vimos?

Foram eles, fomos nós, foram punhos de assassinos
Sem olhos, sem cara de homem ou mulher
Porque dizem que o destino é o que o coração quiser...
Mas que coração foi esse que nos lançou no vazio?
Que nos apagou da memória o que restava do fio
De outros tempos e costumes? Não deixou sequer saudades
E somos cinzas de outros lumes, nunca ardendo de verdade.

Eras tu? Era eu?
Talvez não fosse ninguém.

Talvez sejamos todos órfãos, à espera do que não vem,
Ora nus, ora vestidos, presos neste trampolim
De desejos e vontades, de mundos perdidos em mim.

Era eu.
Era eu a enlouquecer, abrindo todas as portadas
Como que dizendo ao mundo que não podem ser trancadas
As juras e melancolias, que gaivotas estendem asas
E que havendo ninho ou não, temos sempre a nossa casa.

E tu, onde estavas?
Tu nunca exististe,
Porque somos confissões, e nunca te redimiste.

Mas quem foi que me empurrou, de quem era a mão fria
Que me lançou no vazio e me fez ver que nada via?

O abismo era eu.
O orgasmo da catatonia.