sábado, 21 de janeiro de 2012

Mentiras

Escrevo cartas e poemas
teço esquemas escondidos
na minha cabeça doente
para me provar errada.
Os meus sentimentos
passageiros,
os meus poemas
mentirosos
e as minhas ideias
inconcebíveis
para alguém que não eu.
Mas divirto-me
com as minhas mentiras
e minto tão bem
que me creio verdadeira
e por mais que queira
a brincadeira não tem fim.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

É tão bom saber que choras

É tão bom saber que choras,
que tens tremores e suores
nas noites vagarosas
em que me lembro
que não sou nada mais
do que a lembrança
de um passado distante
vivido em horas erradas.

É bom saber que na matança
te terei sempre ao meu lado,
triste palhaço consolado
que viajas ziguezagueando
pelos recantos desta história.

Como dá gosto o teu abraço
e o teu cheiro a carne fresca
que sinto nas minhas entranhas,
a tua espada no meu ventre.

E o meu desejo
outrora ardente
perde-se em estranhos ideais
e fôssemos nós criaturas banais
já te terias extinguido
nas profundezas destas linhas
que por mais que te doa
nunca terão traços iguais.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Leite

Se me visses esta noite
entre os ventos fortes e a melancolia
saberias com certeza
que no correr das horas certas
deste dia luminoso
o meu peito foi deserto
e aguardente  nos teus sonhos.

Que os olhos
cujas lágrimas lambeste
de forma tão doce e doente
não vêem outros marinheiros
ou outras velas que não tuas,
nem me levantam outras gruas
ou sabem caminhos de grutas
línguas alheias aos poemas.

Se me visses meu amor
de caracóis despenteados
baços e mal lavados,
de olheiras fundas
e pupilas dilatadas
boca seca e lábios gretados...

Se me visses esta noite
saberias com certeza
que a minha pureza
pode apenas ser saciada
pelo meu leito partilhado
com o teu leite nos meus seios
e o meu peito ocupado
pelas tuas mãos geladas
e pela memória do deserto
esquecida no aperto
de uma noite que não esta.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Antigamente via cores

Antigamente via cores,
via vidas noutras asas,
antigamente era tão fácil
caminhar pela calçada.

Mas o vento levou tudo,
até o branco dos lençóis,
corrompeu o meu perfume
e corrói em brandos lumes
os nossos ritos e costumes
entre opacos fumos
à beira de outros faróis.

Fomos ursos gambuzinos,
braços fortes e desmaios,
fomos casa, fomos inhos
fomos seres equilibrados.

Mas a pele que tu tocaste
de marfim ficou papel
com letras carbonizadas,
entraram barcos nos meus portos
somente por ti achados.

O meu riso é aguardente
os meus lábios brotam sangue,
faz um ano e alguns meses
em profunda convulsão
que uma infinidade de vezes
tento adormecer em vão.

Mas o salvador morreu
com uma facada profunda
em agonia apenas minha,
alegre viúva consolada,
e nem rosas ou morfina
me fazem esquecer o dia
em que a minha má pontaria
matou a criatura errada.