sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Quem me dera saber

Um dia soube tudo
o que havia a aprender
sem no entanto o saber
no devido momento.

Mas o tormento que és
nasceu na minha pele
e foi tanta a vontade
que o despir se fez tarde.

E o pesar e o sentir
logo foi mergulhado
no mar que se fez rio
do meu corpo molhado

e o meu sonho caiu
aterrou no teu peito
e o que era perfeito
fez-se ave de rapina.

O suor derreteu
a dor nas tuas mãos,
transbordou no meu colo
fez um corte a direito

e o sangue que jorrou
nos lençóis de cetim
foi a tua água benta
e o princípio do fim.

Quem me dera saber
escrever bem o amor
mas a flor do vazio
que cresce vagarosa
corrompeu-me as entranhas
e fez-me mentirosa.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Teia

A teia ao canto do tecto
permanece imóvel
à minha chegada
e a serenidade da aranha
faz-se tua enquanto tricoto
lençóis de algodão
no fingimento da mecanização.

E é tão egoísta pensar
que nunca cheguei a partir
da  outra margem
e nunca te deixei chegar,
que qualquer vento norte
me poderá desorientar
e fazer voltar a sítios
de onde nunca fui realmente.

Como explicar-te, meu amor
que o meu coração se esvazia cada dia
e que o meu horizonte se estende
cada vez que abro os olhos
e vejo
que o que não quero ver
foi o que tive em tempos.

Como dizer-te
que o meu medo
não és tu mas eu,
que o meu fingimento
tem limites
e o esquecimento a que me propus
fez com que o poço
perdesse o reflexo
e me chamasse com um abraço.

E as coisas sem nexo
que espalho por ti
não são mais do que gotas de orvalho
que te faço lamber dos meus seios
convencendo-te
que não é veneno.

Mas é.

E fico absorta nestes pensamentos
mesmo que os teus
não passem de uma ideia adormecida...
E as mentiras mal paridas
não fui eu que as contei
porque sempre acreditei
em histórias para adormecer.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Carrossel

Sou eu,
mais nada.

O vento que sopras
continua sem balanço
enquanto eu me lanço
do abismo.
Espreito
em bicos dos pés
com a certeza crescente
de que quem sente
não sou eu.

A minha casa não é esta.
Que chão é este
que me enche de feridas?,
quando sempre soubeste
da minha predilecção
por pés descalços.
Quantas vidas me restam?

Há quanto tempo
conto o tempo
que me falta para sair?
As raízes que inventamos
esbatem-se
na imensidão do Universo
em constante mutação
por pesadelos
com outros tectos e soalhos
mais amaciados do que os teus.

Estas paredes
apodrecem ao meu toque.

E enquanto eu me arrasto na lama
tu continuas preso ao carrossel
onde nos encontramos
de tempos a tempos.
Mas não consigo amar-te sempre,
ser feliz cansa-me a alma.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Há uma casa

Há uma casa
onde nunca vivi,
sem portas nem quartos
com escadas em caracol.
Cortaram-lhe as asas
e quebraram janelas
forçaram jaulas
e muros fantasma
ergueram por dentro
no centro do nada,

Havia uma casa
a caminho do Sol
onde os andaram eram palavras
e as camas revolução.
Havia uma casa
sem coisas feias
com pensamentos
espalhados pelo chão.

Há uma casa
onde nunca vivi
mas diz quem viveu
que o sonho
que também é meu
não pode ser emparedado
e que quanto mais cimento o cobre
menos amordaçado
será o novo amanhecer.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Se eu soubesse

Se eu soubesse
como era ser assim,
antes de eu ser tu
e outro se transformar em mim.
Ai se eu soubesse, meu amor
não me tinha atirado do abismo
sem agarrar a tua mão.
Se eu soubesse
das flores de perdição
que criava no meu próprio umbigo
inconsciente do perigo
e alimentado apenas
por esse sabor amargo
a avareza venenosa.
Se ao menos adivinhasse
que depois desses teus braços
os laços seriam tão distantes...
Mas há quanto parei eu
de contar amantes
e coisas malditas?
Se são as mentiras que digo
as que me fazem amar de verdade
e se a realidade
dá apenas azo a enganos?
Quantas juras de amor fiz eu,
quantos foram únicos e primeiros
tão intensos e verdadeiros,
quantos escrevi sem sentir
e senti sem saber?
E o pior,
o pior é que não sei nem o que disse.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Há sonhos assim

Se o meu corpo fosse um instrumento
e o tocasses tão furiosamente
como arranhas as cordas,
nessa melodia transcendente
que me apaixona a cada nota...

Não sei o porquê
das tuas mãos entre o linho e o algodão
nem das tuas linhas
a desfazerem os meus prantos.
Tu que me lembras toda a gente
e nunca foste de ninguém.

E assim sopro-te as penas do ombro
com a esperança vã
de te ver na minha cama
na noite fria que se avizinha,
entre sonhos e paisagens
perdidas nos nossos olhos gélidos,
mortas por bolas santas
num despertar qualquer.

Há sonhos assim,
em que me esqueço que existes
e não sinto a profundidade do teu corpo
perdido no meu
em alegorias fantasmagóricas
fantasiadas pela tua ausência
na mente de outro alguém.